sexta-feira, 9 de maio de 2008

Até que algo mais grave ainda nos surpreenda...

Era jovem. Simples. Aparência abatida. Mas sabe-se lá se devido às circunstâncias momentâneas que exigiam tal atuação; ou se à vida sofrida que de fato levava. Era cedo. Uma sexta-feira fria e comum aliviada por raios de sol de inverno que nada aquecem... e uma cena impressionante! E indiferente.

Há um bom tempo não me assusto. É relativamente normal o discurso daqueles que entram em meios de transporte públicos divagando seus dramas, vendendo doces, pedindo ajuda financeira...
O sujeito do penúltimo episódio presenciado pela minha pessoa levava consigo um suposto atestado médico, dizendo ter sofrido uma grave cirurgia, após um acidente vascular cerebral; e explanava através de palavras suplicadas, depender diariamente de remédios (muitos e caros).
Sou leiga no assunto. Mas presenciei um triste acontecimento muito semelhante, bem próximo a mim. Portanto afirmo, sem grande peso na consciência, que certas incoerências chegam, por alguns instantes, a irritar!
Mas é justificável. E talvez seja esse o problema. Constância e repetição fazem com que muitos absurdos se tornem justificáveis.

Mas esse dia não foi o responsável por este texto. Minha revolta instantânea não demorou muito a se calar. Enquanto o homem descia do ônibus, eu retomava meus olhares àquele caminho que diariamente levava-me até casa. Tudo bem.

Foi preciso, posteriormente, deparar-me com algo mais surpreendente. E é aí que voltamos ao começo deste texto. (Sim, aquela jovem e pobre mulher da sexta-feira fria...).

Como tantos, começara seu discurso pidão e falava em Deus. Assim como a maioria dos presentes, pus-me a fingir que não era comigo. Desdenhei de cabeça baixa e pensei no almoço que em breve resolveria a problemática do meu mau-humor. Logo retornei aos fatos... Assim como o atestado médico do homem, esta mulher trazia consigo um método persuasivo e talvez eficaz aos seus propósitos: seu filho, pequenino, segurava nas mãos da mãe, enquanto ela tocava no ponto fraco que teoricamente amoleceria o coração de qualquer ser humano... doença!

Relatava que o menino sofria de problemas urinários, havia passado por diversas cirurgias e que também dependia de remédios e fraldas (gastos insustentáveis e uma situação desprovida de qualquer ajuda governamental). Mas pelo visto esta mãe também desprovia de outras coisas mais sérias. Não contente com a pouca movimentação do ‘público’, ela expôs o pequeno ser humano, despindo-o de tal maneira, que fosse visível e ‘comprovável’ tudo o que falara até então. Siiim, meu caro: a olho nu! E falemos o português bem claro, pois cansei-me de lapidar e selecionar palavras pra um assunto tão horrorendo, paradoxal, estranho e fdp como este! A cena foi clara: uma mãe abaixava as calças de seu filho, mostrando suas partes, seus cortes, ferimentos. Com uma feição desesperadora, pedia... Mas pedia dinheiro, ajuda financeira, moedinhas, notinhas, grana...
Fixou nos olhos de cada um, encarando-os ou intimidando-os; mas era um olhar fraco, impreciso, enlouquecido, inconseqüente, inexplicável e... absolutamente normal.

Porque, certamente, amanhã faria exatamente a mesma coisa.

Sem mais relatos. Os fatos decorrentes deste absurdo são previsíveis. E logo serão esquecidos ou ‘normalizados’. Até que algo mais grave nos paralise novamente.

Sem pretensão de fazer apologia e sensacionalismo a temas polêmicos e sociais.
Mas com o intuito de parar pra pensar nas atitudes e limites humanos, submetidos a circunstâncias ferradas de EXTREMA, carência, necessidade, sobrevivência; bem como a maneira partícular com que cada ser humano pode reagir a estas situações...



E você, o que faria?

.

3 comentários:

Anônimo disse...

=/

Anônimo disse...

"Escritores natos,
fluência,
naturalidade,
poética prosa persuasiva..."


iupii! rsr

=D

Val disse...

"A gente se acostuma para não
se ralar na aspereza,para reservar a pele.
Se acostuma para evitar feridas,
sangramentos, para esquivar-se
da faca e da baioneta, para poupar o peito.
A gente se acostuma para poupar a vida que aos poucos se gasta e, que gasta, de tanto acostumar, se perde de si mesma."
É por isso que sofro... Ainda não me acostumei e talvez espere jamais acostumar-me...